Resenha / Crítica: O Garoto da Bicicleta / Le Gamin au Vélo / Bélgica/ França/ Itália, 2011 / Direçã
Boa Tarde! Os irmãos Dardenne (A Criança, Silêncio de Lorna), mais uma vez demonstram a sua maestria para a elaboração de estudos de personagens em torno de almas despedaçadas. O filme começa com o jovem Catoul Cyril (Thomas Doret) tentando realizar uma ligação telefônica ao pai. Cyril é acompanhado por um monitor do orfanato que impõe a criança a condição de colocar o telefone no viva-voz. Entretanto, a ligação não é completada e podemos ouvir a mensagem "O número discado não está em serviço". O garoto não se conforma, deseja conversar com o porteiro do prédio. Além de tentar restabelecer o vínculo com o pai, a criança está interessada em reaver a sua bicicleta. O monitor avisa que é melhor se acostumar com a idéia, o pai o deixou no orfanato. Esse é o fato real. Bem, para uma criança determinada de 11 anos de idade e de camiseta vermelha isso está longe de ser uma justificativa aceitável. Após um breve desentendimento, Cyril morde a mão do monitor e tenta fugir do orfanato indo em direção ao prédio onde vivia com o pai. A sua primeira tentativa não é bem sucedida. Não faz mal, sempre existe um outro dia. É uma abertura comovente, imediatamente, dando-nos um gosto do desempenho magnífico que Doret continuará a demonstrar ao longo do filme. Ele é um garoto rebelde, jovem, inflexível na sua causa e tão certo que deve haver alguma explicação, com certeza seu pai não podia ser tão cruel. É claro que o público sabe a revelação que ele provavelmente vai receber. Caramba, conseguimos assimilar essa informação em apenas dois minutos de filme. É um novo dia, após um dia de aula no orfanato, Cyril consegue ter sucesso na fuga e vai de encontro ao antigo prédio. É impressionante como esse garoto corre (Calma, depois ele ainda vai andar muito de bicicleta), quando se comunica com alguém é sempre com a intenção de obter alguma informação de seu interesse. Não há concessões, demonstrações de carinho, educação e respeito. Não é uma criança selvagem. Cyril não está acostumado com convenções sociais e a se socializar com as pessoas. Deseja o pai e a bicicleta. É isso que ele tem em mente. O garoto é retraído e introspectivo. Ao mesmo tempo, é vivo, esperto e desperta um sentimento de empatia quase que instantânea. Não há dúvidas, cinco minutos de filme e Thomas Doret é o protagonista da trama, numa atuação de cair o queixo. Brilhante. Cyril chega ao prédio e após uma hábil manobra consegue adentrar ao local. Ele vai até o quinto andar, toca a campainha e ninguém atende ao seu chamado. Nessa altura do campeonato, os monitores do orfanato estão no prédio a sua procura e observamos o início de uma breve perseguição. Sabe, por algumas situações que o destino nos proporciona, na fuga, o garoto entra em contato com Samantha (a ótima Cécile De France), uma cabeleireira na cidade vizinha, e é aí que o filme realmente começa a ter sucesso. A relação com o núcleo do filme não é com Cyril e seu pai (Os dois eventualmente se encontram), mas sim com ele e Samantha. Cécile De France é uma atriz belga que redescobri no filme "Além da Vida / Hereafter / Direção: Clin Eastwood). Após uma breve busca em sua filmografia, constatei que ela também atuou no filme "O Albergue Espanhol / L'auberge espagnole / Direção:Cédric Klapisch". Cyril deseja que Samantha converse com o diretor do orfanato e peça para ficar com o garoto nos finais de semana. Ótima idéia. Cyril continua na sua busca de retomar o contato afetivo com o pai. Ele deseja ter o pai por perto e imagina que, em breve, voltarão a viver juntos. É curioso observar que não temos a menção da mãe na história de vida do menino. Se não tivéssemos consciência do processo de reprodução humana seria possível imaginar que a única figura familiar que ele conhece é o pai. Samantha desempenhará o papel da figura materna e, ao mesmo tempo, de mulher também. Afinal, apesar de representar uma possível figura materna ao garoto, ela é a sua primeira experiência de convivência com uma mulher. O relacionamento entre os dois é muito belo, Samantha é direta com Cyril, sem meio-termo e segredos. Ela se oferece com bondade e amor de forma genuína. Ela nem mesmo consegue nominar o porquê de se importar com o garoto. Apenas é o que deve ser feito. É assim que os fatos se desenrolam na trama. Você deve fazer o que tem que ser feito. Caso contrário, a lente dos irmãos Dardenne lhe mostrará o que pode acontecer. A trama se desenvolve, a convivência entre Samantha e Cyril transformará a vida dos dois. Estou com vontade de descrever o filme inteiro, mas acredito que seria uma tremenda injustiça. Não vou fazer isso. Desejo que as pessoas tenham a oportunidade de descobrir esse ótimo filme.
Créme De La Créme
Thomas Doret (Cyril). Nunca vou me esquecer de você garoto. Demais. Abs,
(Originalmente publicado em 14/01/2012).
